domingo, agosto 2

Meu Tudo



Por Ana Coaracy


Sempre tive vontade de escrever sobre ele. O que sinto, o que me ensinou, a falta que me faz. Nunca tive coragem. Faltavam palavras e sobravam lágrimas. Não conseguia tratar sobre ele sem que o coração apertasse. Hoje, nesse espaço, resolvi homenagear aquele que foi meu tudo. Me ensinou a ser honesta e olhar sempre para frente.
Meu vô foi mais que um pai. Me criou com rigor e cuidado. Não era de abraçar, beijar, grudar. Era de falar, ensinar com seus erros e seus acertos. Lembro que sempre dizia com orgulho que recebeu muitas propostas para ganhar dinheiro na juventude, mas todas eram de forma ilícita e por isso não aceitou nenhuma. Era pobre, mas tinha um bem precioso que fazia questão de dividir com cada um da família: A honestidade.
Ele era forte e para mim era o homem mais alto do mundo. Suas mãos eram bonitas e eu sempre andava de mãos dadas com ele. Suas mãos eram leves. Era enfermeiro prático. Fazia curativos, suturas e aplicava injeções como poucos. Era lindo. Aos meus olhos era e sempre será.
Meu vô se comunicava comigo pelo olhar. Eu sabia quando ele estava alegre, chateado ou triste. Sabia quando ia me pedir alguma coisa e quando não gostava do que eu estava fazendo. Ele não precisava falar. Eu via em seus olhos que me amava muito e sabia que podia sempre contar com ele.
Me chamava com um assobio. Rsrsrsrs. E eu corria rápido para atender. Eu adoro meu vô. Eu fazia penteados nele. Arrumava a camisa para que saísse sempre bonito. Passava perfume, fazia cócegas nele. Era sua auxiliar na marcenaria ou em qualquer coisa que fizesse na oficina que tinha no quintal de nossa casa. Fiz isso até outro dia. Talvez tenha sido há mais tempo...
Para mim foi muito difícil vê-lo adoecer. Era meu rei, meu líder, meu tudo. Acho que não chorei o suficiente sua falta. Fiquei em choque. Por isso choro agora. Doente, ele apertava minha mão e me olhava no fundo dos olhos. Parecia que queria falar algo importante. Mas não podia, não tinha mais voz. Só gemia. Ainda vejo seu sorriso, sinto a força de sua mão na minha, seu cheiro. Meu vô era cheiroso, muito cheiroso.
Por último, quando eu chegava em casa à noite, depois do trabalho, ia em seu quarto e ficava passando a mão em seus cabelos branquinhos. Lembro que o sonho dele era que seus cabelos ficassem bem branquinhos naturalmente. Quando ficou, ele não entendia mais isso.
Enquanto passava a mão em sua cabeça, cantava baixinho as músicas de Nelson Gonçalves que ele tanto gostava. Seus olhos se fechavam devagar e ele parava de gemer, até dormir. Às vezes eu me perguntava se ele dormia acalentado pela minha cantoria ou para se livrar dela.
No fim... sinto vergonha em admitir, mas tenho necessidade de confessar, que cheguei a pedir a Deus que o livrasse daquele sofrimento. Para mim era duro ver meu tudo privado de sua força e coragem, mas ao mesmo tempo não queria ficar sem ele por perto.
Meu tudo foi embora. Ficam sua honestidade, suas histórias de juventude e eu, orgulhosa por ter sido honrada com sua presença em minha vida.


Este artugo eu fiz em 2006

Um comentário:

  1. ana qual era a musica? n sei mas nelson golçaves lembra o meu tmbm!

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