Quando
criança eu gostava do cheiro do café que minha avó passava de manhã cedo. Era cheiro
de casa quente, cheiro de manhã cedo, de família e de mais um dia. Mais tarde,
na adolescência, gostava de cheiro de pão quente que sentia quando passava em
frente e padaria da Rua das Hortas, por volta de 16h, ou da padaria do João
Paulo, que lembro dizerem que era de um português, mas nunca o vi. Gostava
também do cheiro de batata-frita da lanchonete do Lusitana que ficava próximo a
minha escola, no Centro. Era cheiro de alegria, de novidade, trocado no bolso e
amigos por perto.
E
o cheiro doce do setor de bombons da Lobrás, na Rua Grande. Era cheiro de contravenção, de bolsos criminosos e
variedade para dividir. Gostava do cheiro de alfazema que sentia no meu vô e do
perfume cítrico que, ainda hoje, é preferência de mamãe. E ainda lembro do
perfume do produto que vovó costumava colocar no cabelo.
Lembro
do cheiro de terra molhada da primeira chuva do ano e do calorzinho que subia
do asfalto naquele primeiro momento e depois o frescor que a água causava. Das
goteiras e biqueiras, das poças rasas d’água e do cheiro bom que a chuva deixava
nas plantas.
Em
dia de sol adorava o cheiro de maresia. Ahhhh esse cheiro, cheiro de mar que
impregnava o carro do meu tio quando ele nos levava à praia. Era puro cheiro de
infância, de sorrisos, de mãos dadas, de primos e alegria. Cheiro de
cumplicidade, de irmandade. Associações que a gente faz porque passou por
aquilo, porque foi aquilo.
Nos
meses de vento forte, como agosto e setembro, o cheiro da Praça Deodoro era de
oitis e folhas novas. Cheiro de natureza renovada. Lembro desse tempo de menina,
lembro bem dos cheiros daquela época.
Hoje,
ao passar na velha praça, sem precisar apurar o olfato, sinto apenas cheiro do óleo
quente e queimado das bancas de pastel e batata-frita, despejado aos pés das antigas
árvores cheias de cupim.
Nas
praias, só consigo sentir cheiro de esgoto que jorra de prédios vistosos e de
córregos que vão para o mar, que outrora serviam de pocinha em minhas brincadeiras.
Da chuva, sobraram os perigos dos bueiros abertos e o cheiro de medo dos
desabrigados. Cheiro de perigo com o excesso de buracos nas vias, que se
transformam em poças d’água sem fundo quando cai qualquer pingo d’água.
Hoje,
quando passo na Camboa, só sinto cheiro de fezes e urina de burros, que dormem e
acordam na praça que margeia as avenidas da área. Passagem diária de milhares
de pessoas.
Quando
passo no João Paulo, não sinto mais cheiro de pão. Próximo a feira só sinto cheiro
de legumes velhos estragados, que são abandonados no chão por ambulantes que
teimam em vender seus produtos fora do mercado.
Além
desse cheiro, ainda posso sentir cheiro de sofrimento, de drogas e de
degradação dos fumadores de crack que habitam o local e deixam pedaços de si
pelo caminho quando passam para furtar trocados e trocar pela pedra maldita.
Pelos
antigos recantos da minha cidade, não consigo mais sentir cheiros agradáveis e
me lembrar do tempo que já passou. Só consigo sentir cheiro de medo de
assaltos, de fumaça de ônibus velhos, de decadência e tristeza. Cheiros que não
gosto e não queria sentir, mas que sou obrigada a conviver e só me fazem sentir
mais falta dos cheiros bons que vivi.
Ana
Coaracy
25032013
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