segunda-feira, julho 27

Céu da minha infância


Às vezes me pego lembrando de quando era criança. Não que lembre de toda a minha infância. Na verdade tenho lapsos enormes desta época. Mas algumas passagens ficarão para sempre.

Lembro que faltava muita luz, sobretudo à noite e quando isso acontecia eram acesas várias velas pela casa. Uma lembrança olfativa é o cheiro da parafina queimando. Eu gostava desse cheiro.

Sentávamos no terraço de casa e meu vô contava suas muitas histórias de juventude. Eram tantas e tão engraçadas que eu nunca cansei de ouvi-las, ainda que se repetissem com o tempo.

Lembro, também, que a noite era estrelada, muito estrelada, linda aos meus olhos de criança e ficava ouvindo as histórias, sempre olhando para o céu.

Hoje busco este céu estrelado e não o acho mais. Já não se fazem mais céus como antigamente.

Certa vez, já adulta, viajei a Tutóia e lá reencontrei meu céu. Ele estava guardado tão longe, mas eu fui buscar. Quando cheguei à cidade, era madrugada e estava sem energia elétrica. Eu andava pelas ruas, até encontrar meu destino, olhando para o céu. Parecia uma abestada, tropeçando vez por outra por não olhar o caminho.

Estava encantada com meu céu de infância, que eu achava que meu vô tinha levado com ele quando se foi.

Foram quatro dias e noites sem energia elétrica em Tutóia. Todo mundo reclamava. Estavam todos irritados, com calor, comida estragando e bebida esquentando nos bares.

Mas para mim, importava apenas aquelas noites estreladas como as da minha infância. Até hoje, não canso de dizer que não há no mundo céu mais estrelado que o de Tutóia. Parece que lá, pelo menos para o céu, o tempo não passou. Quase ouvia a voz do meu vô, contando suas história. Meu vô, meu céu, minha infância, cheiro de parafina queimando...


Por Ana Coaracy

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